.Vozes Pictóricas.



:Esta é uma reflexão sobre o diálogo, num projeto que pretende explorar a dualidade entre significado e significante, entre forma e conteúdo, estabelecido nos campos do design e da arte, etc., em que a letra tem o lugar de destaque. Estas relações confluem nas potencialidades plásticas do alfabeto e no universo que as letras podem representar.

A tipografia não só representa uma tradução literal do mundo à nossa volta, uma explicação ou legenda, como é também dotada de uma vertente inerente, uma “pulsão”, de aproximação da arte ao espectador. A letra pressupõe e provoca sempre uma ligação proveniente da sua familiaridade. Mesmo que não imediatamente “legível” é reconhecível. E assim o espectador reconhece-se na obra.

Textualmente recorre-se ao olhar. Um olhar não analítico nem fotográfico, mas desprendido do seu próprio objeto. Para além do estudo em torno da expressão alfabético-visual inerente e decorrente a/de qualquer vivência, propõe-se uma exploração das camadas que compõem as imagens resultantes. Encontramo-nos no limbo entre conteúdo e forma. Conteúdo escrito, forma desenhada.

Pretende-se assim apontar possibilidades e limites ao contrapor a estagnação do código alfabético recorrendo ao desenho de três alfabetos, assentes na exploração pictórica da tipografia como ponto de partida. Homenageia-se o movimento de Poesia Concreta ao tomar não só cada vocábulo, mas também cada letra como um objeto existente no espaço.

Deste modo, são escolhidos, neste projeto, três caminhos tão distintos quanto complementares:
- Um primeiro alfabeto assente numa construção puramente tipográfica;
- Um segundo alfabeto com a sua génese no traço caligráfico;
- Um terceiro alfabeto híbrido em que culmina a tensão entre estes dois polos.



: This is a reflection on dialogue. A project that sets out to explore the friction between signifier and significant, between design and art. Here the letter takes its primacy. Thus, these references concluded in the whole plastic potentiality of the alphabet and the plurality that these same letters are bound to represent.

Typography as its core does not solely represent a literal translation of the world around us as such: an explanation or subtitle, as its all the more endowed with an inherent strand, a pulsion of proximity between art and observer. The letter predicates on a conversation and provokes a dialogue, a proximity derivative of its familiarity, whether being legible or apparently illegible. Thus, the observer sees and recognizes itself in the piece.

Textually we resort to the act of looking. A look that is neither analytical nor photographic, but detached from its own object. In addition to the study of the alphabetic-visual expression inherent in /and arising from any experience, a subsequent exploration of the layers that make up the constituted images is offered. We find ourselves in limbo between content and form. Written content, drawing form.

It is intended, therefore, to point out possibilities and counteract the stagnation of the alphabetical code trough the designing three alphabets, that take upon the pictorial exploration of typography as a starting point. The homage to the concrete poetry movement is present because there is an approach to every word and letter as an existent object in space.


In this way, three paths as distinct as complementary are chosen:
- A first alphabet based on a purely typographic construction
- A second alphabet with its genesis in the calligraphic stroke;
- A third hybrid alphabet that explores the tension between these two poles.

This tension, unfolds and translates into several dichotomies such as: photo-video, projection-print, digital-analog, static-dynamic, serene-frenetic, said-made, written-read, etc.



Alfabeto i.) Desenquadrado


O alfabeto de nome Desenquadrado dá palco aos novos media como ferramenta enriquecedora da comunicação. Ao alastrar e combinar a vertente literária e gráfica com a expressão multimédia damos origem a tipos que se encontram no hiato entre estes conceitos e que são, portanto, desenquadrados do seu contexto primordial. Deste modo, recorre-se a uma abordagem exclusivamente digital, ao conceber letras que partem de reflexões de formas modulares que serão, numa utilização plena, preenchidas com vídeos e fotografias. A alusão ao ecrã e ao pixel que se demonstra inelutável e notória serve inclusive como sustentação deste nome. A tensão explorada é, portanto, desdobrada e traduzida em dicotomias: fotografia-video, projecção-impressão, digital-analógico, estático-dinâmico, sereno-frenético, dito-feito, escrito-lido etc.







Visto-me. Vês-me vestir. Vês-me ir.

V de visto
I de isto
V de visto-me
Visto-me
V de vês-me
Vês-me
V de vestir
Ves- me vestir
V de vês-me
Vês-me
I de ir
Ir

E de está
E de Eu
Está visto que eu me visto.
T de tu
Está visto que tu me vês vestir.

Visto-me. Vês-me vestir. Vês-me ir.




Alfabeto ii.) Desenleado




O alfabeto de nome Desenleado é o mais corporal dos três. Assim, este código tem o seu alicerce no traço caligráfico, imperfeito, continuo. De natureza exclusivamente orgânica, procura-se subverter o conceito de linearidade ao aludir à imperfeição do traço. Como um fio solto na ponta de um tecido, que ao ser puxado transforma o plano em linha. Ou até como um novelo que pretendemos desenlear. E dessarte existe uma metamorfose em linha. Linha essa essa que se transforma noutra coisa: a letra. A caligrafia, ao contrário da tipografia é um acto de expressão física. Acto esse na génese da escrita. Observe-se, então, que o alfabeto desenleado procura incorporar esta mesma noção de simbiose entre corpo e escrita.










Alfabeto iii.) Desvelado




O alfabeto de nome Desvelado surge no ponto de convergência das naturezas díspares que motivaram o desenho das propostas anteriores. Deste modo, conclui e desvenda este estudo, ao conter em si, de modo literal, a tensão entre o digital e o analógico. Sendo que, é construído recorrendo tanto a módulos digitais e geométricos como a formas mais puras. Assim, pretende-se aludir à coexistência de antíteses e ao quão completares e necessárias são, não são em termos conceptuais, como em termos pictóricos. Procuramos, deste modo, desvelar uma abordagem da comunicação cada vez mais abrangente, cujo consenso reside exactamente na sua natureza ambivalente. Através desta exploração gráfico-semântica da linguagem; espera-se conseguir ilustrar a coexistência de várias abordagens consideradas dicotómicas e aludir à polissemia do texto.